A arte de reutilizar materiais ilimitadamente
O termo Upcycling foi utilizado pela primeira vez pelo ambientalista alemão Reine Pilz há pouco mais de 20 anos, com o conceito que traz a arte de reutilizar materiais para áreas como a moda e o design. Mais tarde, o arquiteto William McDonough e o químico Michael Braungart ajudaram a divulgar o conceito em seu livro “Cradle to Cradle: Rethinking the way we make things”, com a filosofia do berço ao berço. De lá para cá, o conceito se difundiu trazendo impactos para diferentes áreas de negócios.
O livro cuja tradução no Brasil tem o título de “Cradle to Cradle: Criar e Reciclar Ilimitadamente” é um manifesto pedindo a transformação da indústria através de um design inteligente. São ideias revolucionárias no pensamento contemporâneo, considerada leitura essencial pelos mais importantes centros de conhecimento do mundo. Seus conceitos inauguram uma lógica poderosa de inovação para transformar a mentalidade de escassez na qual o mundo atualmente se encontra, unindo áreas distantes como economia, design, negócios, ecologia, produção de bens de consumo e concepção de centros urbanos.
O sistema industrial que hoje apenas toma, faz e joga fora pode se tornar um criador de bens e serviços que gerem valor ecológico, social e econômico. É preciso mudar os nossos processos de design de modo que a reutilização e a inserção de materiais pós-consumo sejam instituídos diretamente no processo de criação.
O pensamento – do berço ao berço – surge em oposição à ideia de que a vida de um produto deve ser consi derada – do berço ao túmulo – uma expressão usada na análise de ciclo de vida para descrever o processo ‘linear’ de extração, produção e descarte.
A ideia central desta nova proposta é que os recursos sejam geridos em uma lógica ‘circular’ de criação e reutilização, em cada passagem de ciclo se torna um novo – berço – para determinado material.
Dessa forma, o modelo ‘linear’ é substituído por sistemas ‘cíclicos’, permitindo que recursos sejam reutilizados indefinidamente e circulem em fluxos seguros e saudáveis, para seres humanos e para a natureza.
Em vez de minimizar resíduos, podemos criar valor e projetar nossas vidas e produtos em torno da noção de que os resíduos podem alimentar outros sistemas. Podemos começar nosso processo de design com a noção de que há uma coisa chamada resíduo. Por isso é importante entender que Upcycling é um conceito bem diferente de reciclagem. Enquanto reciclagem é um processo que transforma coisas velhas em novas, Upcycling consiste na reutilização de materiais em seu estado original. É pegar algo sem valor comercial que seria descartado e reaproveitar com suas propriedades naturais, em algo diferente, com novo uso e propósito, sem passar pelos processos transformadores químicos e físicos da reciclagem.
É um conceito pouco difundido no Brasil. No entanto, vem ganhando prestígio e está se tornando tendência mundial.
Seu objetivo é evitar o desperdício de materiais potencialmente úteis, reduzindo o consumo de novas matérias-primas, energia, poluição do ar e da água, e emissões de gases de efeito estufa, resultante de processos industriais de reciclagem durante a criação de novos produtos. Isso torna a prática ainda mais positiva, do ponto de vista ecológico, do que a própria reciclagem.
O sistema de produção que hoje traz conforto e facilidade para milhões de pessoas está esgotando recursos, intoxicando pessoas e contaminando ecossistemas naturais e urbanos. O modelo de desenvolvimento adotado atualmente enfrenta uma crise iminente e necessita de uma alternativa urgente, porque destrói a base da própria sobrevivência. Lideres de todos os países estão em busca de um novo modelo produtivo capaz de associar o desenvolvimento com a prosperidade mútua das pessoas e da natureza.
O design industrial deve processar de forma diferenciada os – nutrientes biológicos – materiais biodegradáveis que devem voltar de forma segura ao meio ambiente, e os – nutrientes técnicos – recursos que não são produzidos de forma contínua pela biosfera, como metais e plásticos, seriam aproveitados continuadamente em processos industriais, sem perda de qualidade.
É possível para a indústria contribuir com a restauração dos ecossistemas do planeta e para o bem-estar das pessoas, em vez de gerar passivos socioambientais. Podemos, intencionalmente, projetar um sistema mais inteligente, capaz de desencadear inovações para criar ciclos de produção regenerativos, inaugurando um novo modelo de desenvolvimento em que os resíduos são nutrientes e os produtos geram impactos positivos para as pessoas e para a natureza.
Podemos vislumbrar o poder da ecoefetividade – a escolha de fazer a coisa certa – e, assim, prosperar como sociedade, nutrindo o ciclo biológico do planeta e alimentando o ciclo tecnológico das indústrias, em vez de nos sentirmos culpados em relação ao consumo. Abrir os olhos para o poder de criarmos produtos inovadores inspirados na natureza, de optarmos pelas fontes de energias renováveis e de usarmos a diversidade de soluções como estratégia para superar nossos desafios.
Um modelo que promova a prosperidade enquanto alimenta o futuro das próximas gerações, que está criando uma onda de inovações e irá desencadear a próxima revolução industrial. Uma forma possível de desenvolvimento que nos levará a um novo patamar de relação mutuamente benéfica entre humanidade e planeta.
Ao invés de se pensar em termos de gestão ou redução de resíduos, elimina-se a própria ideia de lixo. E isso não significa um mundo de racionamento, eficiência e minimização. Pelo contrário, se produtos, fábricas e cidades forem criadas de forma inteligente desde o início, não é necessário pensar em termos de desperdício ou contaminação. Esse conceito de design integrado propõe um futuro de abundância, e não de escassez.
O conceito do cradle to cradle (do berço ao berço) não se trata de salvar o planeta, mas de aprender a prosperar nele. Precisamos cultivar entre nós um espírito de cooperação com a natureza – e mais reflexão sobre sua lógica.